Nova estrela do jazz, Ala.Ni mostra no MIMO o elogiado álbum de estreia
Por Deborah Dumar
Foto: Divulgação
Intérprete elegante e de voz envolvente, inspirada pelo jazz e os musicais americanos dos anos 1930 e 1940 e as cantoras Billie Holiday e Judy Garland, a artista londrina, de origem caribenha, é considerada uma revelação no cenário musical europeu. Em turnê para promover o primeiro álbum de sua carreira, “You & I” – no qual também brilha como compositora – Ala.Ni traz para o Brasil o concerto com que encantou o público da segunda edição internacional do MIMO, na cidade de Amarante (Portugal), em julho.
Cativante e com forte presença cênica, além das belas canções que interpreta, Ala.Ni – que faz a sua estreia no país em setembro, no Circuito MIMO, em Tiradentes (dia 28) e Ouro Preto (29) – sabe entreter a plateia das cidades em que se apresenta como poucos. Ela propõe ao público brincar de compor uma canção. Ao chegar, os espectadores enviam-lhe uma frase em inglês, para que ela crie uma música com esses versos. O resultado é sensacional!
Depois de Minas Gerais, Ala.Ni e o exímio guitarrista Marvin Dolly repetem a dose, em apresentação única na paradisíaca cidade de Paraty, na Costa Verde do Rio, no dia 7 de outubro. Todas as suas apresentações no MIMO Festival são gratuitas.
Ex-vocalista de artistas de sucesso e estilos distintos, como o tenor italiano Andrea Bocelli, a cantora de R&B e hip hop americana Mary J. Blige e a banda britânica de rock Blur, começou a compor em 2012 e foi incentivada por Damon Albarn a sair em carreira solo.
Artista de múltiplos talentos, assumidamente romântica e caprichosa com o visual – ela até lançou sua grife na Semana de Moda de Paris de 2011 – tomou coragem para mostrar as primeiras músicas a partir de EPs, que saíram em 2015 e a que deu os nomes das estações do ano (“Spring”, “Summer”, “Autumn” e “Winter”).
Todas as canções, que falam de uma história de amor, foram compostas a cappella. Sua voz sublime, como descreveu o “Libération”, em 2015, alcança cinco oitavas, mas é de uma maneira muito particular e delicada que ela interpreta suas músicas, como “Cherry blossom” (“Flor de cerejeira”), que escreveu de madrugada, quando visitava os avós em Granada, no Caribe.
Antenada, produziu com esmero vídeos artesanais com seu iPad, valendo-se de técnicas variadas, como a cianotipia, e explorando jogos de luz e sombra e os tons intermediários, para divulgar o seu trabalho e a sua imagem em todo tipo de mídia social. Esguia e charmosa, sua figura lembra vagamente a da cantora Sade, porém seu estilo também faz referência a talentos da nova geração, como o duo franco-cubano Ibeyi, com quem excursionou pelo Reino Unido há dois anos.
A estratégia que traçou deu certo, suas músicas tiveram expressiva repercussão junto ao público (ainda mais em se tratando de uma estreante) e centenas de milhares de fãs passaram a segui-la nas redes sociais e a curtir e compartilhar os vídeos de “Ol’ fashioned kiss”, “Cherry blossom”, “Come to me” e “Roses and wine”.
Não demorou muito para Ala.Ni ocupar espaço nobre em importantes publicações e emissoras e a receber convites para se apresentar em clubes de jazz e festivais, como Jazz Sous Les Pommiers, Montreux e MIMO. Para ampliar ainda mais o alcance de público, Ala.Ni seleciona para o roteiro de seus concertos alguns standards da música internacional, como “Wichita lineman”, do hitmaker Jimmy Webb, ou “Cry me a river”, balada que Arthur Hamilton escreveu para a voz de Ella Fitzgerald em 1953.
Críticos a consideram uma artista extraordinária
Os críticos consideram Ala.Ni atemporal e fora do comum. Filha de um baixista de uma banda de reggae-calypso e de uma costureira de Granada, Alani Charal Gibbon, nascida na Inglaterra em 1980, carrega no sangue o som de seus antepassados do Caribe, além de ter sido criada em um dos principais centros da música no mundo.
Já aos três anos de idade, a desembaraçada menina cantarolava e tinha as primeiras aulas de dança. Inicialmente, pensou em se dedicar ao balé, porém descobriu um universo bem maior para atuar, quando ingressou na Escola de Teatro Sylvia Young – frequentada por Amy Winehouse, Emma Bunton (Spice Girs) e Nicholas Hoult (X-Men), entre outros.
Aprendeu não só a cantar e dançar, como também a interpretar, fazer mímica, enfim a despertar para todo tipo de manifestação artística. “Queria ser bailarina e sabia que podia cantar, gostava de cantar, mas não tinha ambição na música. Aos 12, mudei de escola e percebi que também poderia interpretar. E tudo veio junto. Em determinado ponto, tive de escolher um caminho. Percebi que, se quisesse fazer dança, teria uma carreira bastante limitada. Para ser atriz, teria de me projetar diante da visão de outra pessoa. Preferia criar algo para mim, sem ninguém para dizer o que fazer, queria criar o meu próprio mundo”, declarou a uma publicação francesa.
Ala.Ni não é a primeira artista da família. Seu tio-avô, o bem apessoado Leslie “Hutch” Hutchinson (1900- 1969), pianista e cantor de cabarés em Nova York e na Paris da Era de Ouro do jazz, nos anos 1920, foi convidado a se apresentar em um music hall de Londres, cidade em que acabou fixando residência. Logo depois de chegar à capital inglesa, Hutch se transformou no queridinho do jet set britânico, no intérprete favorito do Príncipe de Gales (futuro rei Eduardo VIII) e habitué da rádio BBC.
Um dos astros mais bem pagos da época, tinha Cole Porter entre os amigos íntimos, de quem gravou “Let’s do it”, entre outras canções, e ganhou notoriedade, em 1936, com o lançamento de “These foolish things (Remind me of you”), com letra de Eric Maschwitz e música de Jack Strachey, que ganhou versões de Billie Holliday, Ella Fitzgerald & Count Basie, Etta James, Sarah Vaughan, Frank Sinatra, Sam Cooke, Chet Baker, Count Basie, Lester Young, Rod Stewart e James Brown, entre outros.
“Ele teve a oportunidade de cantar as mais belas músicas de todos os tempos!”, comenta Ala.Ni, que, desde pequena, ouvia falar no tio especial, que só veio a descobrir de verdade na adolescência, através da rádio BBC, de um documentário exibido pelo Channel 4 e de uma cerimônia em sua homenagem. “Ele foi realmente uma personalidade!”, disse, sem apontá-lo, entretanto, como uma de suas influências.
Sem concessão ao que esteja fora da ‘zona de conforto’
Ala.Ni é uma mulher moderna, porém com uma pegada old fashioned. Gosta de estar cercada de antiguidades, como o microfone da década de 1930, que as cantoras de rádio e dos musicais utilizavam e que adquiriu de um colecionador alemão – o microfone a acompanha na turnê (“Ele vai para todo lugar comigo, viajou o mundo”, afirmou ao site do MIMO). Admite ser fascinada, mas não obcecada, pelas décadas de 1930 e 1940.
Ao mesmo tempo em que se vale da moderna tecnologia para realizar seus vídeos, fica espantada com as mudanças de comportamento que ela provocou: “Coleciono coisas antigas, como as primeiras edições de livros, amo art déco, sou romântica. Amo a sensibilidade dessas canções e as histórias e a simplicidade do amor. É o oposto de hoje, com a confusão entre sexo e amor, a pornografia disponível em qualquer lugar, o Tinder, que é um verdadeiro desastre! Talvez não para os homens, mas para as mulheres, é a pior coisa que poderia acontecer. Sinceramente, não sei como fazer para ter um relacionamento hoje, teria de usar o twitter? Isso soa totalmente estranho para mim”, afirmou, em entrevista recente.
Da mesma forma, não curtia o ambiente roqueiro, como aconteceu na turnê de lançamento de “Think thank” (2003), da Blur, liderada justamente por aquele que se tornaria ria o mentor de sua trajetória solo e a ajudaria a preparar o disco de estreia: “Eu era muito jovem, foi uma turnê difícil e tive de deixá-la antes do término. Não estava pronta para lidar com a realidade das turnês de rock’n’roll, com todas aquelas drogas, álcool e festas intermináveis”, reconhecendo, no entanto, que foi uma experiência enriquecedora, que a fez crescer.
Amadureceu e investiu no que conseguia fazer dentro da chamada “zona de conforto”. Não pretendia gravar um disco retrô, apenas recuperar um pouco da atmosfera e das gravações da época: “Fui educada com essas canções antigas, nas peças teatrais da escola. Quando me dispus a me lançar na música, isso voltou naturalmente, elas já estavam incorporadas em mim, é isso o que eu sou. Tentei R&B e outros estilos, mas não era eu, era como se estivesse mentindo para mim mesma”.
Além da oportunidade de conhecer a música de Ala.Ni, o público do MIMO poderá participar do workshop que ela ministrará, dentro do programa educativo do festival. Em “Come to me – The Cyanothype Project”, a artista abordará a técnica desenvolcida em 1842 por Sir John Herschel, que utilizou para a confecção do clipe da música “Come to me” e discorrerá sobre a relação entre música, imagem e tecnologia.