Elza Soares e Cheikh Lô brilham no Palco MIMO na noite de sábado
Por Deborah Dumar
Não cabia mais ninguém. O público lotou rigorosamente todas as atividades selecionadas pela curadoria do MIMO Festival – que chega este ano à 13ª edição – para a cidade de Paraty, na Costa Verde fluminense. Com programação inteiramente gratuita, dirigida a públicos distintos mas aberto a todos os interessados, concertos com grandes nomes da música do brasileira e do mundo, exibição de 16 filmes com temática musical e debates do Fórum de Ideias, sob o comando do escritor e pensador de Cabo Verde Mário Lúcio, o MIMO ocupou espaços do patrimônio, como a belíssima igreja de Santa Rita (construção do século XVIII) e a Matriz Nossa Senhora dos Remédios, as casas da Cultura e da Música, e a Praça da Matriz, onde foi montado o palco ao ar livre. O festival se encerra neste domingo, com Hamilton de Holanda comandando O Baile do Almeidinha.
Nem o temporal que desabou sobre a cidade no final do dia e se estendeu até as oito da noite foi capaz de deter o público do MIMO. Os espectadores participaram com visível alegria e entusiasmo das atividades previstas para a noite de sábado. O músico cabo-verdiano Mário Lúcio, atração da Igreja de Santa Rita, no largo fronteiro à Baía de Paraty, contou histórias de sua terra, sua gente, falou das tênues fronteiras entre seu país e o Brasil, tocou composições de sua autoria para ilustrar o que dizia, como “Sodade”, com o público fazendo coro, e dedicou uma música à mãe, “Zita”. Arrebatou de vez os corações da plateia, concentrada na formosa igrejinha tombada pelo Iphan em 1952, embalando-os com seu violão, ao interpretar “Carinhoso”, de Pixinguinha e João de Barro.
Na Praça da Matriz, o duo instrumental formado pelo violinista Ricardo Herz , de São Paulo, e Samuca do Acordeon, do Rio Grande do Sul, atraiu muita gente à igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Músicos exímios e compositores de destaque na cena da música instrumental na atualidade, a dupla fez um concerto irretocável, com repertório majoritariamente autoral e músicas do recém-lançado álbum “Novos rumos”. O encontro musical desses dois grandes artistas foi muito aplaudido pelos espectadores.
Pouco depois das 22h, as cortinas do Palco MIMO se abriram, revelando ao centro a cabeleira avermelhada da “Mulher do fim do mundo”, Elza Soares. A dois metros do nível do palco, sentada num trono e usando um figurino feito a partir de sacos de lixo, a cantora desfilou o moderno e arrojado repertório desta produção feita sob medida para a sua voz rascante.Unanimidade da crítica, o disco foi eleito “melhorálbum do ano” pela Associação Paulista de Críticos de Artes e pela revista “Rolling Stone”, além de ter conquistado o Prêmio da Música Brasileira de 2016, na categoria pop/rock/reggae/hip-hop/funk.
O público a saudava, música após música, porém a integração artista-plateia tornou-se ainda mais intensa quando a artista entoou os primeiros versos da premiada “Maria da Vila Matilde – (Porque se a da Penha é brava, imagine a da Vila Matilde)”, que aborda a violência contra a mulher): “Cadê meu celular?/ Eu vou ligar pro 180/ Vou entregar teu nome/E explicar meu endereço/Aqui você não entra mais/Eu digo que não te conheço/ E jogo água fervendo….”. Estimulado pela cantora, o público repetiu à exaustão o verso “Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim”.
Neste novo momento de consagração, em 60 anos de carreira, Elza Soares interpretou, ao lado de uma banda afiadíssima, as contundentes músicas do seu álbum mais recente – como “Benedita”, que teve a participação especial do ator e cantor Rubi Waf – e alguns de seussucessos, como “A carne” (“A carne mais barata do mercado é a carne negra…” , de Seu Jorge, Marcelo Yucae Wilson Capellette) e os sambas “Volta por cima” e “Pressentimento”. A artista, que está às vésperas de uma turnê europeia com o novo trabalho em novembro, deixou o palco ovacionada pelo público do MIMO Paraty.
Do Senegal, o MIMO trouxe o cantor e compositor Cheikh Lô, que fez a sua estreia em solo brasileiro. Com sua voz elegante, espiritual e festiva, o artista pisou no palco à meia-noite. Acompanhado por uma banda formada por exímios instrumentistas do Senegal e do Brasil, fez um show comemorativo dos 40 anos de carreira para mostrar o mbalax, ritmo típico de sua terra, que resulta da fusão de músicas populares ocidentais, como jazz, soulmusic, ritmos latinos e o rock e cruza os sons do patrimônio musical senegalês com as muitas influências que recolhe de toda parte do mundo. No concerto enérgico e dançante, que teve a participação especial da jovem intérprete brasileira Aline Paes, Lô demonstrou por que é considerado um dos gigantes da África criativa.