Renata Rosa reverencia a tradição nordestina em ‘Encantações’
Por Deborah Dumar
Com uma louvada carreira na Europa, a premiada cantora, compositora e rabequeira Renata Rosa está lançando o álbum “Encantações”, este mês, no Reino Unido, homenageando a tradição e os ritmos do Nordeste. Selecionada para representar o Brasil no Showcase Scotland 2017, a artista mostrará seu novo trabalho ao público do Celtic Connections, através do MIMO Festival.
Paulistana radicada na cidade histórica de Olinda, em Pernambuco, desde meados da década de 1990, faz constantes concertos em turnês pela Europa desde 2003, quando lançou o primeiro CD, “Zunido da Mata”, em teatros, salas de música e importantes festivais da França, Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Holanda, Noruega, Suíça e Dinamarca, entre outros países. A força de sua atuação, as polifonias vocais indígenas e os cantos caboclos seduzem as plateias por onde ela se apresenta. Foram cerca de 200 concertos ao longo desse tempo.
Nascida no Brás, bairro de forte imigração nordestina de São Paulo, conta que foi lá que teve os primeiros contatos com a tradição musical e poética regional, sobretudo com a cantoria de viola, o repente. O pai a levava para assistir à disputa poética entre os cantadores.
“Aos 17 anos, conheci alguns índios kariri-xocó, de Alagoas, em um trabalho xamânico em São Paulo, e nos tornamos muito amigos. Passei a visitar a aldeia, que fica no Baixo São Francisco, durante as minhas férias. Nessa convivência amorosa e rica, além dos banhos de rio, da pesca e de boas conversas, participava dos cantos em casa e nos rituais em que tinha autorização. Sempre amei cantar e foi na aldeia que tive a principal escola de canto”, destaca Renata, que teve seu aprendizado no dia a dia, nos cantos de trabalho e rituais, “onde a música é somente um dos dados, o dado visível”, explica a cantora, acrescentando que também ia a festas naquela região, onde havia muito samba de coco.
Na Mata Norte de Pernambuco, ela conheceu o mestre de rabeca Luiz Paixão, que, depois de um tempo, a convidou para tocar no Cavalo Marinho, um complexo teatro de rua que envolve dança, música, poesia e máscaras e do qual faz parte até hoje.
Além dessas ricas experiências, a artista teve formação acadêmica. Estudou Letras e Fonoaudiologia na USP e Música com habilitação em Canto na Universidade Livre de Música Tom Jobim, em São Paulo. Integrou ainda o Núcleo de Ação e Performance do Polo Sula Americano do Ator Contemporâneo (1998 – 2002), sob a direção do iraniano Massoud Saidpour, onde desenvolveu pesquisa sobre movimento e voz “Canto e dança – o impulso na voz e no corpo”, a partir dos cantos caboclos do Baixo São Francisco, no Rio de Janeiro e em Cleveland (EUA).
Música regional abriu as portas do mercado internacional
O álbum de estreia de Renata Rosa foi muito bem recebido pela crítica internacional e abriu diversas portas. Em 2004, ela recebeu o Choc de l’Année, prêmio máximo da crítica francesa, do “Le Monde de la Musique”, além do Coup de Coeur, Bravo! e o 5 Étoiles. Renata Rosa fez no mesmo período o showcase da Womex, o que lhe conferiu reconhecimento e muitos convites para concertos.
O mesmo trabalho lhe rendeu a gravação de um programa especial da BBC, de Londres, em 2005. A artista gravou o segundo álbum, “Manto dos sonhos”, com esta mesma estética, pelo qual recebeu o Prêmio da Música Brasileira, em 2009, na categoria de melhor cantora regional, e, a partir disso, se tornou mais próxima do público brasileiro.
No CD “Encantações”, Renata Rosa e seu grupo se utilizam de instrumentos de diferentes origens, desde trompa, trombone, flugelhorn e violinos a rabeca, violão de 7 cordas, viola de 7 cordas, baixo, ilús, triângulo, tarol e caxixis. Em Glasgow, ela se apresentará com os músicos que a acompanham há 15 anos: o parceiro Hugo Linns (baixista, violeiro e arranjador), Pepe da Silva (viola de 10 cordas, bandola, violão de 7 cordas, pandeiro e outras percussões finas) e Helder Santos Amendoim (Ilu, latinha, caixa, bombo, sementes, guizos). A artista tocará duas rabecas, uma com afinação e mais alta e uma rabeca-viola.
“Trabalhamos sobre bases poéticas e rítmicas tradicionais, como o coco, o Xangô, a ciranda e o baião, mas também somos nutridos de outras influências, por vezes até inconscientes, de tudo o que escutamos, como o jazz, músicas tradicionais de outros países, a música clássica. A ‘Marcha do Donzel’, de caráter épico e polifônico, flerta com influências mediterrâneas, enquanto ‘Moreno’ começa com um lamento que lembra um fado e se espalha até alcançar uma percussão de ciranda”, detalha.
‘O MIMO sempre foi o meu carnaval, o meu deleite’
Renata Rosa conheceu o MIMO Festival em Olinda e participou de duas edições, uma delas em 2011, ao lado da compositora, pianista e cantora franco-britânica Emily Loizeau, com quem dividiu um trabalho encomendado pela Cinemateca do Museu do Louvre, “Duos efêmeros” – para mostrar ao público o acervo de filmes mudos do final do século XIX até o início de 1940 que havia restaurado. Os filmes foram reunidos em quatro grandes temas e Renata foi convidada para fazer a criação musical dos filmes reunidos sob o tema ‘Terra’, em concerto realizado no Grande Auditório do Museu do Louvre, por músicos brasileiros e franceses.
“O MIMO sempre foi o meu carnaval, o meu deleite. Antes (e depois) de me apresentar no MIMO, sempre fui seu público e entusiasta. Durante os dias do festival, costumo parar tudo para assistir de dois a três concertos e, como moradora de Olinda, acompanho o MIMO desde a primeira edição. A cada ano, caminhava da minha casa, no Centro Histórico de Olinda, percorrendo as ladeiras para assistir Uakti, Naná Vasconcelos e Egberto Gismonti, o Quarteto de Cordas de São Petersburgo tocando Shostakovich, Maria João, Ballaké Sissoko e Vincent Segal, Phillip Glass, entre tantos outros! “, comenta Renata Rosa, que também já se inscreveu em masterclasses da Etapa Educativa do MIMO Festival.
Renata destaca o convívio que o MIMO Festival proporciona aos músicos das mais diferentes partes. “O MIMO faz Olinda respirar boa música, traz ao grande público a oportunidade ao grande público de conhecer músicas, músicos, universos sonoros, que dificilmente teriam a oportunidade de ouvir, e também forma um novo público ouvinte. Músicos excelentes, das mais diversas vertentes e cantos do mundo, têm se apresentado no MIMO”, conclui a artista que participou, pela primeira vez, como convidada de Ricardo Herz e Didier Lockwood na majestosa Igreja da Sé.
Para mais informações: celticconnections.com