A ‘rainha da cúmbia’ festeja a riqueza da cultura colombiana no palco do MIMO
Por Deborah Dumar
Foto: Divulgação
Uma das mais importantes vozes da América Latina nas últimas cinco décadas, Totó la Momposina se tornou conhecida internacionalmente como a “rainha da cúmbia” ou “a diva descalça”. A consagrada cantora vem ao MIMO Festival para celebrar a riqueza da cultura da costa caribenha colombiana, através da fusão dos ritmos dos índios sul-americanos com a música afro-latina.
Considerada a embaixadora do folclore de seu país, a artista foi contemplada com o prêmio Womex (World Music Expo) por sua trajetória, em 2006, e o Grammy Latino pelo conjunto da obra, em 2013. Aos 76 anos, Totó mantém a vivacidade, a voz potente e o fascínio que exerce sobre o público de seus shows. As plateias vibram com a sua música, a impressionante energia que irradia no palco e os figurinos coloridíssimos.
A Colômbia tem uma expressiva diversidade étnica e a interação entre os primeiros habitantes, os índios, os colonos espanhóis, os africanos trazidos como escravos e os imigrantes vindos da Europa e do Oriente Médio no século XX deu origem a um rico patrimônio cultural. Nascida em Talaigua, comunidade de pescadores e camponeses, localizada na ilha de Mompós – que é banhada pelo Rio Madalena – onde Gabriel García Márquez (1927-2014) ambientou a obra de ficção “O general em seu labirinto”, sobre os últimos dias de Simon Bolívar – a artista vem de uma família musical de várias gerações. O pai tocava bateria e a mãe era cantora e dançarina.
Criada na tradição musical de “La Costa”, Totó (que foi registrada como Sonia Bazanta Vides) naturalmente aprendeu a cantar e dançar desde criança. Devido aos conflitos da guerra civil em seu país, episódio que ficou conhecido como “La Violencia”, mudou-se para a capital com a família. Na adolescência, foi estimulada a se aprimorar e contou com a ajuda da veterana Ramona Ruiz. Na juventude, decidiu viajar de povoado em povoado para pesquisar os ritmos e danças do país, além de estudar a arte das “cantadoras”, responsáveis pela transmissão oral de sua história, cultura e costumes, de geração a geração, como os griots africanos. Entre elas, estavam as camponesas que cultivavam mandioca, banana e abóbora atrás de suas cabanas.
Novos horizontes
Com a técnica vocal amadurecida e mais segura em seu desempenho, Totó decidiu formar seu próprio grupo em 1969 e seguir carreira artística, embora ainda participasse de festas familiares, de rua e em todos os lugares em que uma “cantadora do povo fosse necessária”. Ganhou excelente reputação e, na década de 1970, partiu para turnês pela América Latina, Europa e EUA. O salto para a fama mundial surgiu em 1982, quando foi convidada a cantar em Estocolmo, na cerimônia de entrega do Nobel de Literatura a García Márquez.
Estabeleceu-se em Paris, como estudante de dança da Sorbonne, fazendo apresentações na Europa, em especial na França e Alemanha. Foi neste período que ela gravou o primeiro álbum, “Totó la Momposina y sus tambores, Colombie”, pela Auvidisc, e participou da compilação “La ceiba”, lançado pelo selo Aspic. Em 1984, a convite do festival Womad, fundado entre outros por Peter Gabriel, fez as primeiras apresentações na Inglaterra. Depois de alguns anos, voltou para a Colômbia e continuou a realizar concertos na América Latina e Caribe.
Como incansável pesquisadora e buscando ampliar seus horizontes, também passou uma temporada em Cuba estudando o bolero. Em 1991, por iniciativa do Womad (World of Music, Arts and Dance), voltou para a Europa e participou de festivais no Japão, Canadá, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Finlândia. Depois disso, Totó La Momposina levou a sua arte a numerosos países. Gravou o clássico “La candela viva” (1991/2), no Real World Studios, que está associado ao selo Real World Records, de Peter Gabriel. Lançou ainda “Carmelina” (1995), Pacanto (1998), “La bodega” (2009). Em 2002, foi indicada ao Grammy Latino pelo álbum “Gaitas e tambores”. O CD “El assunto” foi lançado pela Sony Colombia em 2014.
Inspirando outras gerações
A artista colombiana participou da gravação da bela “Latinoamérica”, a convite do premiadíssimo trio de rap porto-riquenho Calle 13, ao lado da brasileira Maria Rita e da peruana Susana Baca. A experiência a emocionou e a música, lançada em 2011, faturou dois Grammy Latino (nas categorias melhor gravação e canção do ano):
“Maria Rita, Susana Baca e eu misturamos os estilos do Brasil, Peru e Colômbia. Quando unimos as vozes, cada uma dando a sua interpretação, a inspiração para cantar e improvisar surgiu naturalmente. Quando você grita ‘Viva a América’, você não diz isso por dizer, mas porque sente isso. Meus olhos se encheram de lágrimas. Choramos ao finalizar o trabalho, porque estávamos representando a nossa América do Sul (…)”, declarou em uma entrevista à época.
A cantora também influencia artistas e produtores pelo mundo. Como é o caso do rapper americano Timbaland, que sampleou a canção “Curura”, do álbum “La candela viva” (1993), a fim de utilizá-la em “Indian flute”. Outros que demonstraram admiração pela obra de Totó são o parisiense Manu Chao, que reproduziu um trecho de “La verdolaga” em seu trabalho, e o produtor DJ suíço Michel Cleis, que fez muito sucesso nas pistas europeias com “La mezcla” (2009), ao recriar versões house para sucessos de Totó.
Depois disso, Cleis e e John Hollins, genro da artista, saíram em busca das gravações originais do álbum que a consagrou mundialmente, remixaram músicas e acrescentaram a participação das netas de Totó como backing vocals. Esta edição especial da obra da artista colombiana foi lançada pelo selo de Peter Gabriel, sob o título “Tambolero” (2015).