Egberto Gismonti inaugura etapa Internacional do MIMO Festival
Por Deborah Dumar
Atração da noite de abertura do MIMO Festival em Amarante, o cultuado instrumentista, compositor e arranjador é uma das personalidades mais representativas da música instrumental contemporânea no mundo. Presença constante no MIMO, já tendo feito concertos nas igrejas das cidades históricas brasileiras de Olinda, Ouro Preto e Paraty, o artista participa pela nona vez do festival com esta apresentação no Largo de São Gonçalo.
Aclamado pela crítica internacional em quase cinco décadas de carreira, Gismonti se revezará virtuosisticamente entre o violão e o piano de cauda neste show que marca a estreia internacional do MIMO Festival. Com acesso livre, o concerto se realizará no dia 15 a partir das 20h30.
Com uma agenda atribulada, o artista passa boa parte do ano longe de sua casa, no Rio de Janeiro. Compositor residente da Filarmônica de Tóquio e realizando concertos em diferentes partes do mundo, Gismonti tem uma série de eventos este ano dedicados à sua obra. Antes de se apresentar em Portugal, o aclamado músico será homenageado em Copenhagen e, em seguida ao MIMO Amarante, embarcará para a Itália, a fim de participar do Ravello Festival, ao lado da cantora portuguesa Maria João.
Nascido em uma família extremamente musical na cidade do Carmo, na Região Serrana do Rio de Janeiro, descendente de árabes e italianos, Gismonti se notabilizou pelo olhar especial que confere à diversidade da música brasileira e por extrapolar os limites de diferentes gêneros em sua obra, onde o folclore e o jazz têm papel de relevo.
Com 70 álbuns gravados e distribuídos a quase 50 países, através da parceria firmada com a gravadora alemã Edition of Contemporary Music (ECM), o artista assina mais de 30 trilhas sonoras para o cinema, o teatro e o balé e é considerado multi-instrumentista, uma vez que seus estudos no Conservatório incluíam também a flauta e o clarinete.
Referências – Em permanente evolução, dono de uma obra vastíssima e rica, Gismonti tem como referências Villa-Lobos, Mozart, Bach, Stravinsky, Baden Powell, Pixinguinha, Carlos Gomes e Radamés Gnatalli, entre outros compositores. Duas outras pessoas também foram muito importantes em sua formação, os professores de música dodecafônica Jean Barraqué e de análise musical Nadia Boulanger. Depois de despontar aos olhos do grande público e da crítica brasileira em 1968, no III Festival Internacional da Canção, com a música “O sonho”, Gismonti decidiu viajar para a França para se aprimorar:
“Por uma sorte do destino, tive a oportunidade de estar próximo da madame Boulanger, ouvindo-a fazer análise musical durante um ano e meio, a saber o que aquelas estruturas significam, onde estão as questões e as respostas, o que essas estruturas representam em termos da cultura de um país. Foi ela quem me ajudou a voltar para o Brasil. E a minha música, ela é como é porque é brasileira, porque está ligada ao folclore. O Brasil tem uma singularidade, é o país da miscigenação total e eu sou um dos afluentes que decodificaram essas informações todas em forma de música”, declarou, em entrevista a uma emissora de televisão do Japão.
Mistura que está cada vez mais presente em seu trabalho com orquestras, tarefa a que tem se dedicado bastante nos últimos anos. Em entrevista a Silvio Essinger, do jornal “O Globo”, Gismonti confirma que seu instrumento tem sido cada vez mais a orquestra: “Comecei a fazer com que a música brasileira fosse mais tocada por elas, e vou até aquelas que estão prestando atenção à miscigenação”.
Experimentações – Concebida para diferentes instrumentos, a música de Gismonti apresenta uma grande variedade de texturas e paletas sonoras. Seus álbuns soam essencialmente instrumentais a partir dos anos 1970, ao mesclarem a música eletrônica com a música indígena, o jazz, o rock e o atonalismo. Suas experimentações já despertavam a atenção do mercado internacional naquela época. Em 1976, ao lado do percussionista Naná Vasconcelos, o artista gravou o primeiro álbum para a ECM, o clássico “Dança das cabeças”, que recebeu aclamação internacional e no qual seu virtuosismo aparece em toda a sua grandeza.
Outros álbuns em destaque são o “Sol do meio-dia” (1978), dedicado aos índios do Alto Xingu e que teve as participações do violonista Ralph Towner, do percussionista Collin Walcott e do saxofonista Jan Garbarek, além de Naná Vasconcelos. “Trem caipira” (1985), sobre a obra de Villa-Lobos, e “Meeting point” (1997), gravado com a Orquestra da Lituânia e com o qual homenageia Stravinsky.
Merece registro ainda o pelo CD duplo “Saudações” (2009), em que Gismonti se utiliza do formato da música de concerto no primeiro disco, “Sertões veredas I-VII – Tributo à miscigenação” e teve a colaboração da Orquestra Cubana Camerata Romeu, enquanto, no segundo, apresenta peças em formato de duos de violões, que o autor divide com o filho, Alexandre.