Baile do Almeidinha promete noite de raro prazer no Parque Ribeirinho
Por Deborah Dumar
Há quatro anos, em plena quinta-feira e, pelo menos uma vez por mês, as noites do bairro boêmio da Lapa, no Centro Antigo do Rio de Janeiro, vivem apinhadas de gente bonita, animada e que desfila com elegância incomum pelas calçadas de pedra até a pista de dança do Circo Voador. Os habitués são, em sua maioria, jovens reunidos em grupos ou formando casais, que têm encontro marcado para se divertir no Baile do Almeidinha.
Cerca de mil pessoas que se entregam ao prazer de cantar, dançar ou simplesmente curtir algumas das mais belas composições da música brasileira e temas de novos autores, na moderna gafieira comandada pelo ás do bandolim de 10 cordas, o premiado Hamilton de Holanda (que acaba de conquistar o 12º troféu do Prêmio da Música Brasileira, como melhor solista instrumental, com o projeto “Pelo Brasil”).
A ideia nasceu de uma conversa entre a diretora do Circo, Maria Juçá, e o produtor e empresário Marcos Portinari. Dar ao público a chance de reviver um pouco o clima das memoráveis “Domingueiras Voadoras”, baile que o espaço cultural promovia todo santo domingo. Sempre lotado, arrastando multidões, que conseguiriam, embaladas pelo som do saxofonista e clarinetista Paulo Moura e da inesquecível Orquestra Tabajara, do maestro Severino Araújo, recuperar as energias para enfrentar a semana com mais disposição e alegria.
Frequentado por pessoas descoladas de todos os cantos da cidade, avessas à TV e que atravessavam as noites em clima de festa, a Domingueira reunia gente que se arriscava em uma ou outra coreografia de dança de salão, casais que preferiram dançar coladinhos, ou amigos que simplesmente aproveitavam a oportunidade para assistir ao show de música ao vivo de altíssimo gabarito. Muitos romances nasceram naquela pista do evento recordista de edições no Circo Voador, sob o céu estrelado do Rio, depois de um lindo dia de praia.
O virtuoso e cativante bandolinista brasileiro, conhecido pela velocidade de seus solos e improvisos em altos decibéis, se animou com a sugestão e chamou alguns amigos com que costuma dividir o palco para formar a banda Magnifica, escolher o repertório e arranjos: o contrabaixista Guto Wirtti, o violonista Rafael dos Anjos, o percussionista Thiago da Serrinha (sopros), Eduardo Neves (flauta, flautim e saxofone) e o trompetista Aquiles Moraes. Na bateria, Xande Figueiredo, e, no acordeão, Marcelo Caldi.
Em bom carioquês, “formou!”, não tinha como dar errado: “No primeiro ensaio, o som rolou legal. O ritmo com balanço, swingado, seria o foco principal e os temas deveriam ser populares, para o público poder cantar junto”, descreve Hamilton, que, aos 40 anos, é um ídolo da nova geração, um artista capaz de indicar tendências, lançar-se a todo tipo de desafio, bem como enfeitiçar plateias de todas as idades e preferências musicais, em qualquer palco do mundo. Inegavelmente, é uma unanimidade. “Muita coisa saiu com aquele ritmo do jazz, um astral afro, latino e caribenho. E também tocamos músicas autorais, novas ou antigas”, acrescenta ele, que mistura todos os gêneros e ritmos, com maestria e sem preconceito, como o samba, o chorinho, o forró, o xote e a bossa-nova.
Mais de 60 mil lotaram a pista desde a estreia
Embalado pelas músicas de Chico Buarque, Pixinguinha, Baden Powell, Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, Milton Nascimento, Tom Jobim, Adoniran Barbosa, Sivuca, Cartola ou Hermeto Paschoal, temas instrumentais da nova safra e, eventualmente, até de um estrangeiro que se encaixe neste perfil, o público do Baile do Almeidinha foi se multiplicando geometricamente, fazendo o boca a boca do evento junto a outros amigos, desde que a festa foi lançada em agosto de 2012.
Um dos programas mais interessantes da cidade, recebe convidados ilustres a cada edição – a lista é enorme! – e, assim, desde então, mais de 60 mil pessoas já participaram do célebre Baile do Almeidinha, que o MIMO reproduz agora, no Parque Ribeirinho de Amarante, na primeira edição internacional do festival, a fim de que, ao longo de duas horas, o público português possa saborear um pouco da noite carioca.
Os artistas convidados para esta apresentação especial no MIMO Amarante são a catalã Silvia Perez Cruz, que recentemente ocupou o posto de crooner do Almeidinha diante da plateia no Rio, o cantor português Miguel Araújo e o artista cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa. Nomes que se juntarão aos de Alcione, João Bosco, Yamandu Costa, Beth Carvalho, Zé da Velha, BNegão, Pedro Luís, Wilson das Neves, Marcelo D2, Carlos Malta, Maria Gadú e mais de uma centena de feras da música na história do baile.
Com o assombroso êxito do baile e das novas músicas que ganharam vulto na pista, a tribo crescente de seguidores de Hamilton e da Magnifica demonstrou interesse em levar para suas casas e festas particulares aquela sensação gostosa deixada pela noitada, que só se repetiria no mês seguinte. Depois de três anos, o álbum homônimo foi lançado e, a exemplo de outros trabalhos da extensa produção fonográfica do bandolinista, acabou sendo indicado ao Grammy Latino.
Mas quem é o tal do Almeidinha?
Bem, Almeidinha é uma figura fictícia, alegre, inspirada no imaginário carioca e com que a banda imediatamente simpatizou. Músico, funcionário público, sujeito certinho, apaixonado por dança de salão e que faz da gafieira sua principal diversão.
Fugindo ao estereótipo do malandro carioca, o personagem começou a ganhar outros contornos através do habilidoso traço de Paulo Brabo. Num estilo mais “cubista”, nas cores e no movimento do corpo que parece sem osso, surgiu uma figura cheia de vida e significados.